terça-feira, 14 de setembro de 2010

Lição de Andebol - Entrevista a Paulo Jorge Pereira

Paulo Jorge Pereira

Paulo Jorge Pereira é um nome bem conhecido de todos os que seguem o Andebol português. Foi treinador do CPN, do FC Porto (onde conquistou vários títulos nacionais), do CB Cangas (Espanha) e trabalha actualmente com a equipa feminina do 1º de Agosto de Luanda, tendo também estado com a equipa nacional angolana no Mundial Feminino disputado na China em 2009. 


Enquanto prepara a sua equipa para o campeonato que se irá iniciar em breve, Paulo Jorge Pereira deu-nos uma "lição de Andebol".


- Paulo, a formação de jogadores é uma das preocupações que tem ocupado a tua carreira, para além de ter sido nos escalões mais jovens que começaste o teu percurso. O que é essencial, num jovem praticante, para que venha a ter futuro na modalidade?

É sempre difícil responder a essa pergunta, no entanto, devemos atender sobretudo aos factores perceptivos que condicionam as tomadas de decisão em jogo. Em idades precoces esse jogo pode não ser jogo formal mas um simples jogo de passe que permita desde logo perceber a intencionalidade nas acções dos jogadores. Podemos mesmo quantificar acções positivas e negativas de acordo com os objectivos formulados para esses jogos. Os factores associados à tomada de decisão são fortemente condicionados por condições genéticas embora sejam melhoráveis com o treino. Os factores físicos (antropométricos e funcionais - coordenativos) e psicológicos não são menos importantes, pois permitem produzir uma previsão (sempre com uma margem de erro possível) sobretudo a longo prazo do possível talento desportivo.

- Os clubes portugueses oferecem condições para que essa evolução seja feita ao nível dos outros países da Europa? E o quadro competitivo português?

A minha sensação é que em Portugal se trabalha bem na formação. Não podemos esquecer que existem clubes que trabalham com muita eficácia na formação de novos atletas e a prova disso está na última participação da selecção no Europeu sub-20 chegando à final com a Dinamarca. Quanto às condições que temos por comparação com outros países, devemos evitar de pensar no “coitadismo” e centrar a actividade no essencial. Desde que existam atletas predispostos para aprender só temos a obrigação de construir o caminho mais eficaz com a escolha pensada dos exercícios mais eficazes. O quadro competitivo, ao ter sido afectado pela crise, abriu mais possibilidades a jovens atletas dada a impossibilidade da aquisição de atletas estrangeiros de qualidade por parte dos clubes. Este factor acabou por favorecer o aparecimento de novos atletas. 

- Depois de uma brilhante geração nos anos 90, que chamou muita atenção mediática para o Andebol, agora voltamos a ter um conjunto de jogadores capazes de disputar um título europeu, com a selecção de Sub-20. Quais são os pontos de contacto entre uma e outra geração? É consequência de um trabalho específico dos clubes, ou estamos condenados a esperar ter a sorte de, de tantos em tantos anos, conseguirmos juntar um grupo de Elite?

Não podemos esquecer que Portugal tem uma base de recrutamento reduzida quando comparada com outros países Europeus (por razões estruturais e mesmo culturais) e por vezes não significa que se trabalhe melhor ou pior. Foi para mim gratificante trabalhar com uma boa parte dessa geração de 90 que refere. A geração actual tem também muita qualidade e apresenta competências que nos permite pensar que estamos no bom caminho outra vez. Que devemos por vezes ter a paciência de esperar melhores dias, isso faz parte da sociedade Portuguesa neste e noutros âmbitos. Não podemos é nunca desistir, e isso foi o que fizeram muitos clubes e treinadores este tempo todo.

- Para além de Portugal, trabalhaste ainda em Espanha e agora em Angola. Quais são as diferenças fundamentais entre os três países, no que ao Andebol diz respeito?

Existem diferenças sobretudo estruturais. Embora neste momento Espanha também se debata com uma crise profunda à qual o andebol não escapa, devo referir que quando saí para o Clube Balonmano Cangas (2ª divisão), tinha por jogo em média cerca de 1500 pessoas a assistir. Isto já é um sinal de investimento e interesse pela modalidade que Portugal perdeu nos últimos anos, fundamentalmente provocado pela luta que parecia não ter fim entre a Federação de Andebol de Portugal e a Liga de Clubes. Angola é um país onde o andebol, sobretudo na versão feminina, ocupa um espaço privilegiado. Tive o prazer de participar no Campeonato do Mundo na China (2009) e em Fevereiro último ganhamos o deca-campeonato Africano disputado no Egipto com a presença na final de cerca de 7000 espectadores. Em Angola faltam muitas coisas ao nível organizativo, mas dada a localização geográfica que nos afasta da possibilidade de competir a nível elevado mais vezes e outros factores, devemos mesmo considerar um milagre poder combater com selecções que têm tudo. Lembro que no último Mundial vencemos selecções como a Ucrânia e a Dinamarca que são tipicamente países de andebol.       

Angolanas em acção
- Vês possibilidade de, conjugando as qualidades inatas dos Angolanos com um trabalho de base na formação dos jogadores, Angola poder vir a lutar por lugares mais altos nas Competições Mundiais de Andebol? Ou o nível competitivo dos campeonatos europeus é essencial para se ser bem sucedido nas competições internacionais?

Será sempre difícil lutar pelos lugares cimeiros, contudo se os esforços forem bem canalizados e existir uma planificação mais cuidada, esse quadro pode mudar. Angola neste momento tem seis equipas na versão feminina. Cinco equipas competem em Luanda e a sexta equipa é de Benguela. O campeonato este ano vai realizar-se numa província do interior. Até ao momento as equipas jogaram um campeonato provincial e um torneio num total de 13 jogos. No campeonato nacional serão feitos de 6 a 8 jogos o que somará cerca de 21 jogos oficiais até ao momento. Seguir-se-á a Taça dos Clubes Africanos com um total de cerca de 10 jogos.  O número de equipas em Angola, não permite a existência de uma competição regular e com a qualidade suficiente para garantir um rendimento similar às congéneres europeias com campeonatos bem diferentes. O aumento quantitativo e qualitativo das equipas é fundamental bem como o incremento de contacto internacional ao nível das selecções.

- Os resultados e as performances desportivas alcançam, cada vez mais, resultados impressionantes, dada a evolução tecnológica à volta do desporto e também do aumento do nível de eficácia de treino. A evolução do Andebol tem sido feita à base da técnica ou à base da força dos seus atletas?

A técnica surge quase sempre em função da táctica e como tal os exercícios devem ser construídos nesse sentido. O “como fazer” deve ser condicionado pelo “quando” e “para quê”. A especificidade dos trabalhos também é decisiva para o incremento do rendimento, não só a nível físico (que fontes energéticas? Que funcionalidade?) mas também a nível táctico, já que tudo o que é trabalhado deve estar em associação directa com o modelo de jogo escolhido, para não haver perdas de tempo… 

- Ao nível táctico, tem-se observado grandes alterações nos esquemas apresentados pelas equipas de topo? Ou estamos numa fase de estabilização a esse nível?

As alterações que actualmente se observam apontam no sentido de jogar sobretudo mais com princípios de jogo e menos com base num conjunto de movimentos tácticos (“jogadas”) sendo isto também válido para a defesa.

- Ganhaste quatro vezes o Campeonato Nacional de Andebol, como treinador principal e adjunto, o que dirias ser essencial para se ser campeão em Portugal?

Para se ser campeão, não só em Portugal, mas em qualquer parte do mundo, é essencial que a equipa conheça o seu papel. Quando me refiro a equipa, incluo todos os seus componentes, treinadores dirigentes e atletas. Para que todos os factores (físico, técnico-táctico, psicológico e teórico) possam contribuir para o rendimento, é necessário que tudo esteja no seu lugar. Cabe ao líder da equipa desenhar o percurso e adaptar caminhos secundários para chegar ao fim da viagem com êxito. Estabelecer metas individuais e de equipa coerentes e ao mesmo tempo ambiciosas definem o rumo. Controlar o processo com a gestão dos êxitos e dos fracassos marcam o equilíbrio ao nível da convivência.

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