segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A invisibilidade


Michael Keshi era um rapaz como milhares de outros rapazes nascidos na cidade de Akure, no Sudoeste da Nigéria. A ocupação, praticamente nenhuma. Os estudos não se prolongam por aí além, em toda a Nigéria, e se há coisa rara de encontrar por ali são empregos. Assim, desde muito cedo Michael andava pelas ruas, fazendo biscates, inventado formas de passar o tempo, de encontrar algo para levar para casa que pudesse ajudar à refeição diária da família. Pouco mais. Era um rapaz normal.
Todos os rapazes normais de Akure queriam ser jogadores de futebol. E Michael, claro, não era excepção. Começara a jogar pelas ruas até ser convidado para jogar no Sunshine Stars, um dos clubes da cidade. Michael não tinha uma posição definida, corria pelo campo e aparecia, quase sempre, nos espaços  vazios, tanto para cortar os lances adversários como para finalizar os lances da sua equipa. O seu treinador dizia que ele era um jogador invisível e com a evolução da sua carreira, Michael Keshi foi fazendo por merecer tal epíteto.
Dividia a sua vida entre as ruas e os campos de futebol. Ser jogador do Sunshine Stars, mesmo como sénior, não lhe valia de muito em termos monetários, mas Michael tinha esperança e entregava-se aos treinos e aos jogos com grande fervor. O problema era, mesmo, essa sua característica diferenciadora, a invisibilidade. Quanto mais tempo passava em campo, menos visível era a sua acção. No entanto, e apesar disso, Michael era também cada vez mais imprescindível na sua equipa, porque só com ele em campo a equipa conseguia ganhar jogos.
Michael Keshi brilhou durante quatro épocas com a camisola dos Sunshine Stars, na primeira divisão nigeriana, acabando por ser contratado para jogar na Europa. Pouca gente tinha dado por ele, mas o mito à volta da sua qualidade era superior ao que se podia ver em campo. E já se sabe, para olheiros e agentes, conta o mito. Assim Keshi assinou por uma equipa belga que também vestia camisola amarela, o KV Oostende. Esta sua nova equipa, apesar de centenária, passou grande parte dos últimos anos na segunda divisão e foi aí que Keshi começou a fazer história na Bélgica.
Durante o primeiro mês de treinos, passou muito despercebido a colegas e treinadores. Diziam que talvez fosse o facto de não falar a mesma língua dos companheiros, a adaptação a um novo país. Apareceu algumas vezes nas reservas até conquistar lugar na equipa principal. E assim se passou em Oostende o mesmo que se passava no Sunshine Stars. Com Michael Keshi em campo, a equipa ganhava jogos e começava até a sentir-se capaz de lutar pela subida à divisão principal. Mesmo que nenhum adepto sequer o reconhecesse na rua. Mesmo que nenhum jornalista o destacasse nos resumos semanais dos jogos.
Foi o próprio seleccionador nigeriano quem se deslocou até ao Albertparkstadion para observar esse jogador de que tanto se falava. E foi com o caderno de notas vazio,  que o chamou-o para o compromisso seguinte da selecção,  Keshi foi pré-convocado para a Taça das Nações Africanas de 1996. O problema é que tanta invisibilidade não era já fruto do acaso, mas uma particularidade que Michael Keshi carregava como uma ameaça.
Apesar de ter ficado para a história que a Nigéria desistiu de participar nessa competição por razões políticas, a verdade é que muitos dos que conheciam Michael Keshi preferiram acreditar que a invisibilidade de Keshi não sobreviveria à transmissão televisiva dos jogos. E por isso, não houve Nigéria, nem Keshi, esse ano, na África do Sul. Tanto esse novo boato se foi espalhando pelos campos do futebol, que Keshi deixou o KV Oostende e voltou à Nigéria, não ao seu clube, mas às ruas de Akure, onde dizem que ainda anda, de um lado para o outro, à procura de um rumo. Dizem, sim, apenas. Porque não há quem o tenha visto. 

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